segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O prazer da leitura

Alfabetizar é ensinar a ler. A palavra alfabetizar vem de “alfabeto“. “Alfabeto“ é o conjunto das letras de uma língua, colocadas numa certa ordem. É a mesma coisa que “abecedário“. A palavra “alfabeto“ é formada com as duas primeiras letras do alfabeto grego: “alfa“ e “beta“. E “abecedário“, com a junção das quatro primeiras letras do nosso alfabeto: “a“, “b“, “c“ e “d“. Assim sendo, pensei a possibilidade engraçada de que “abecedarizar“, palavra inexistente, pudesse ser sinônima de “alfabetizar“...
“Alfabetizar“, palavra aparentemente inocente, contém uma teoria de como se aprende a ler. Aprende-se a ler aprendendo-se as letras do alfabeto. Primeiro as letras. Depois, juntando-se as letras, as sílabas. Depois, juntando-se as sílabas, aparecem as palavras...
E assim era. Lembro-me da criançada repetindo em coro, sob a regência da professora: “be a ba; be e be; be i bi; be o bo; be u bu“... Estou olhando para um cartão postal, miniatura de um dos cartazes que antigamente se usavam como tema de redação: uma menina cacheada, deitada de bruços sobre um divã, queixo apoiado na mão, tendo à sua frente um livro aberto onde se vê “fa“, “fe“, “fi“, “fo“, “fu“... (Centro de Referência do Professor, Centro de Memória, Praça da Liberdade, Belo Horizonte, MG.)
Se é assim que se ensina a ler, ensinando as letras, imagino que o ensino da música deveria se chamar “dorremizar“: aprender o dó, o ré, o mi... Juntam-se as notas e a música aparece! Posso imaginar, então, uma aula de iniciação musical em que os alunos ficassem repetindo as notas, sob a regência da professora, na esperança de que, da repetição das notas, a música aparecesse...
Todo mundo sabe que não é assim que se ensina música. A mãe pega o nenezinho e o embala, cantando uma canção de ninar. E o nenezinho entende a canção. O que o nenezinho ouve é a música, e não cada nota, separadamente! E a evidência da sua compreensão está no fato de que ele se tranquiliza e dorme – mesmo nada sabendo sobre notas! Eu aprendi a gostar de música clássica muito antes de saber as notas: minha mãe as tocava ao piano e elas ficaram gravadas na minha cabeça. Somente depois, já fascinado pela música, fui aprender as notas – porque queria tocar piano. A aprendizagem da música começa como percepção de uma totalidade – e nunca com o conhecimento das partes.
Isso é verdadeiro também sobre aprender a ler. Tudo começa quando a criança fica fascinada com as coisas maravilhosas que moram dentro do livro. Não são as letras, as sílabas e as palavras que fascinam. É a estória. A aprendizagem da leitura começa antes da aprendizagem das letras: quando alguém lê e a criança escuta com prazer. “Erotizada“ – sim, erotizada! – pelas delícias da leitura ouvida, a criança se volta para aqueles sinais misteriosos chamados letras. Deseja decifrá-los, compreendê-los – porque eles são a chave que abre o mundo das delícias que moram no livro! Deseja autonomia: ser capaz de chegar ao prazer do texto sem precisar da mediação da pessoa que o está lendo.
No primeiro momento as delícias do texto se encontram na fala do professor. Usando uma sugestão de Melanie Klein, o professor, no ato de ler para os seus alunos, é o “seio bom“, o mediador que liga o aluno ao prazer do texto. Confesso nunca ter tido prazer algum em aulas de gramática ou de análise sintática. Não foi nelas que aprendi as delícias da literatura. Mas me lembro com alegria das aulas de leitura. Na verdade, não eram aulas. Eram concertos. A professor lia, interpretava o texto, e nós ouvíamos extasiados. Ninguém falava. Antes de ler Monteiro Lobato, eu o ouvi. E o bom era que não havia provas sobre aquelas aulas. Era prazer puro. Existe uma incompatibilidade total entre a experiência prazerosa de leitura – experiência vagabunda! – e a experiência de ler a fim de responder questionários de interpretação e compreensão. Era sempre uma tristeza quando a professora fechava o livro...
Vejo, assim, a cena original: a mãe ou o pai, livro aberto, lendo para o filho... Essa experiência é o aperitivo que ficará para sempre guardado na memória afetiva da criança. Na ausência da mãe ou do pai a criança olhará para o livro com desejo e inveja. Desejo, porque ela quer experimentar as delícias que estão contidas nas palavras. E inveja, porque ela gostaria de ter o saber do pai e da mãe: eles são aqueles que têm a chave que abre as portas daquele mundo maravilhoso! Roland Barthes faz uso de uma linda metáfora poética para descrever o que ele desejava fazer, como professor: maternagem: continuar a fazer aquilo que a mãe faz. É isso mesmo: na escola, o professor deverá continuar o processo de leitura afetuosa. Ele lê: a criança ouve, extasiada! Seduzida, ela pedirá: “Por favor, me ensine! Eu quero poder entrar no livro por conta própria...“
Toda aprendizagem começa com um pedido. Se não houver o pedido, a aprendizagem não acontecerá. Há aquele velho ditado: “É fácil levar a égua até o meio do ribeirão. O difícil é convencer a égua a beber“. Traduzido pela Adélia Prado: “Não quero faca nem queijo. Quero é fome“. Metáfora para o professor: cozinheiro, Babette, que serve o aperitivo para que a criança tenha fome e deseje comer o texto...
Onde se encontra o prazer do texto? Onde se encontra o seu poder de seduzir? Tive a resposta para essa questão acidentalmente, sem que a tivesse procurado. Ele me disse que havia lido um lindo poema de Fernando Pessoa, e citou a primeira frase. Fiquei feliz porque eu também amava aquele poema. Aí ele começou a lê-lo. Estremeci. O poema – aquele poema que eu amava – estava horrível na sua leitura. As palavras que ele lia eram as palavras certas. Mas alguma coisa estava errada! A música estava errada! Todo texto tem dois elementos: as palavras, com o seu significado. E a música... Percebi, então, que todo texto literário se assemelha à música. Uma sonata de Mozart, por exemplo. A sua “letra“ está gravada no papel: as notas. Mas assim, escrita no papel, a sonata não existe como experiência estética. Está morta. É preciso que um intérprete dê vida às notas mortas. Martha Argerich, pianista suprema (sua interpretação do concerto n. 3 de Rachmaninoff me convenceu da superioridade das mulheres...) as toca: seus dedos deslizam leves, rápidos, vigorosos, vagarosos, suaves, nenhum deslize, nenhum tropeção: estamos possuídos pela beleza. A mesma partitura, as mesmas notas, nas mãos de um pianeiro: o toque é duro, sem leveza, tropeções, hesitações, esbarros, erros: é o horror, o desejo que o fim chegue logo.
Todo texto literário é uma partitura musical. As palavras são as notas. Se aquele que lê é um artista, se ele domina a técnica, se ele surfa sobre as palavras, se ele está possuído pelo texto – a beleza acontece. E o texto se apossa do corpo de quem ouve. Mas se aquele que lê não domina a técnica, se ele luta com as palavras, se ele não desliza sobre elas – a leitura não produz prazer: queremos que ela termine logo. Assim, quem ensina a ler, isto é, aquele que lê para que seus alunos tenham prazer no texto, tem de ser um artista. Só deveria ler aquele que está possuído pelo texto que lê. Por isso eu acho que deveria ser estabelecida em nossas escolas a prática de “concertos de leitura“. Se há concertos de música erudita, jazz e MPB – por que não concertos de leitura? Ouvindo, os alunos experimentarão os prazeres do ler. E acontecerá com a leitura o mesmo que acontece com a música: depois de ser picado pela sua beleza é impossível esquecer. Leitura é droga perigosa: vicia... Se os jovens não gostam de ler, a culpa não é deles. Foram forçados a aprender tantas coisas sobre os textos - gramática, usos da partícula “se“, dígrafos, encontros consonantais, análise sintática –que não houve tempo para serem iniciados na única coisa que importa: a beleza musical do texto literário: foi-lhes ensinada a anatomia morta do texto e não a sua erótica viva. Ler é fazer amor com as palavras. E essa transa literária se inicia antes que as crianças saibam os nomes das letras. Sem saber ler elas já são sensíveis à beleza. E a missão do professor? Mestre do kama-sutra da leitura...



Rubem Alves.




domingo, 28 de outubro de 2012

Leilão de Jardim







Quem me compra um jardim com flores?
Borboletas de muitas cores,
lavadeiras e passarinhos,
ovos verdes e azuis nos ninhos?
Quem me compra este caracol?
Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera,
uma estátua da Primavera?
          
E este sapo, que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro do chão?
  (Este é o meu leilão.)                                                                                                                                                                
                                           Cecília Meireles.
"Carregue com você o que te é essencial e, dentre elas, não pode, nunca, faltar: um carinho bom, um riso gostoso, aperto de mão, abraço amigo, palavras que salvam, amor verdadeiro, perdão que alivia e todo tipo de gente levinha".

_ Cris Carvalho

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A importância da leitura


A prática da leitura se faz presente em nossas vidas desde o momento em que começamos a "compreender" o mundo à nossa volta. No constante desejo de decifrar e interpretar o sentido das coisas que nos cercam, de perceber o mundo sob diversas perspectivas, de relacionar a realidade ficcional com a que vivemos, no contato com um livro, enfim, em todos estes casos estamos, de certa forma, lendo - embora, muitas vezes, não nos demos conta.
A atividade de leitura não corresponde a uma simples decodificação de símbolos, mas significa, de fato, interpretar e compreender o que se lê. Segundo Angela Kleiman, a leitura precisa permitir que o leitor apreenda o sentido do texto, não podendo transformar-se em mera decifração de signos linguísticos sem a compreensão semântica dos mesmos.
Nesse processamento do texto, tornam-se imprescindíveis também alguns conhecimentos prévios do leitor: os linguísticos, que correspondem ao vocabulário e regras da língua e seu uso; os textuais, que englobam o conjunto de noções e conceitos sobre o texto; e os de mundo, que correspondem ao acervo pessoal do leitor. Numa leitura satisfatória, ou seja, na qual a compreensão do que se lê é alcançada, esses diversos tipos de conhecimento estão em interação. Logo, percebemos que a leitura é um processo interativo.
Quando citamos a necessidade do conhecimento prévio de mundo para a compreensão da leitura, podemos inferir o caráter subjetivo que essa atividade assume. Conforme afirma Leonardo Boff,
cada um lê com os olhos que tem. E interpreta onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender o que alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é a sua visão de mundo. Isto faz da leitura sempre um releitura. [...] Sendo assim, fica evidente que cada leitor é co-autor.
A partir daí, podemos começar a refletir sobre o relacionamento leitor-texto. Já dissemos que ler é, acima de tudo, compreender. Para que isso aconteça, além dos já referidos processamento cognitivo da leitura e conhecimentos prévios necessários a ela, é preciso que o leitor esteja comprometido com sua leitura. Ele precisa manter um posicionamento crítico sobre o que lê, não apenas passivo. Quando atende a essa necessidade, o leitor se projeta no texto, levando para dentro dele toda sua vivência pessoal, com suas emoções, expectativas, seus preconceitos etc. É por isso que consegue ser tocado pela leitura.
Assim, o leitor mergulha no texto e se confunde com ele, em busca de seu sentido. Isso é o que afirma Roland Barthes, quando compara o leitor a uma aranha:
[...] o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido - nessa textura -, o sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que se dissolve ela mesma nas secreções construtivas de sua teia.
Dessa forma, o único limite para a amplidão da leitura é a imaginação do leitor; é ele mesmo quem constrói as imagens acerca do que está lendo. Por isso ela se revela como uma atividade extremamente frutífera e prazerosa. Por meio dela, além de adquimirmos mais conhecimentos e cultura - o que nos fornece maior capacidade de diálogo e nos prepara melhor para atingir às necessidades de um mercado de trabalho exigente -, experimentamos novas experiências, ao conhecermos mais do mundo em que vivemos e também sobre nós mesmos, já que ela nos leva à reflexão.
E refletir, sabemos, é o que permite ao homem abrir as portas de sua percepção. Quando movido por curiosidade, pelo desejo de crescer, o homem se renova constantemente, tornando-se cada dia mais apto a estar no mundo, capaz de compreender até as entrelinhas daquilo que ouve e vê, do sistema em que está inserido. Assim, tem ampliada sua visão de mundo e seu horizonte de expectativas.
Desse modo, a leitura se configura como um poderoso e essencial instrumento libertário para a sobrevivência do homem.
Há entretanto, uma condição para que a leitura seja de fato prazerosa e válida: o desejo do leitor. Como afirma Daniel Pennac, "o verbo ler não suporta o imperativo". Quando transformada em obrigação, a leitura se resume a simples enfado. Para suscitar esse desejo e garantir o prazer da leitura, Pennac prescreve alguns direitos do leitor, como o de escolher o que quer ler, o de reler, o de ler em qualquer lugar, ou, até mesmo, o de não ler. Respeitados esses direitos, o leitor, da mesma forma, passa a respeitar e valorizar a leitura. Está criado, então, um vínculo indissociável. A leitura passa a ser um imã que atrai e prende o leitor, numa relação de amor da qual ele, por sua vez, não deseja desprender-se.

Maria Carolina
Professora de Língua Portuguesa e Redação do Ensino Médio e Normal
O livro é aquele brinquedo, por incrível que pareça, que, entre um mistério e um segredo, põe idéias na cabeça (Maria Dinorah)

Era uma vez...


Era uma vez um grupo de pessoas que acreditava que o sol poderia brilhar para todos, ou que a chuva podia regar a alma de qualquer pessoa.
Esse grupo era formado por meninos e meninas que carregavam um desejo em comum, o desejo de ver o amanhecer mais colorido e o entardecer mais calmo, sendo isso reflexo do coração das pessoas que por ali passarem.
Esse grupo resolveu levar para algumas crianças, adolescentes e idosos, um pouco de cor, em livros, em histórias, para que fosse plantada uma semente com uma única cor no coração de cada um, e juntando todas as sementes, através do dialogo e da troca das vivências, pudesse ter um arco-íris.
Desse arco-íris nasceu a imaginação, capaz de voar longe e visitar os lugares desconhecidos pelo corpo, mas vivenciados pela alma. Lugares cheios de amor e aprendizados. Quando se percebeu, quase todas essas pessoas estavam fazendo parte desses lugares e cada vez descobrindo coisas novas, a partir do crescimento da sementinha.

- Daniele Mallmann.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Festa Surpresa para o Prof Celso

Mais uma vez, combinamos tudo, e fizemos surpresa!

Deixando aqui, a mensagem dada ao Professor pelo grupo Hora do Conto.


Professor Celso... Como já dissemos algumas vezes, o grupo Hora do Conto é um coração só, formado por pessoas sensíveis, que riem, choram, sonham e acreditam em um mundo melhor...
Cada pessoa, com seu jeito, é essencial para que o coração mantenha-se sempre inteiro, sempre transmitindo amor... E tu és uma grande parte deste coração, um grande responsável pelo amor e sonhos do grupo...
Hoje, essa grande parte está completando mais um ano de vida, um ano de aprendizados, sonhos, alegrias, conquistas... Um ano em que se doou para as pessoas várias vezes e abraçou o mundo unicamente por amor... Um ano em que simplesmente pela presença, deixou as pessoas mais felizes...
És uma pessoa encantadora, cheia de luz e amor... Carrega no peito os melhores sentimentos que alguém pode ter... E pessoas assim, fazem uma diferença enorme na vida da gente...
Desejamos que encontre somente flores no teu caminho, e se encontrar pedras, faça delas o degrau para a tua subida...  Queremos que tu sejas feliz em todos os momentos, mas sabemos que nem sempre é possível sorrir para a vida, então, queremos que tu continues aprendendo... O que acha de trocar as palavras tristeza e decepção por aprendizagem? Então que sejas feliz e um eterno aprendiz...
Desejamos que a tua luz continue invadindo o coração das pessoas e transformando as coisas...
Queremos te desejar o melhor que existe no mundo... Saúde, amor, paz, alegrias, mas tudo isso ainda é pouco perto de tudo o que tu mereces... Então, desejamos que tenhas coragem. Coragem para enfrentar a vida e os desafios que ela coloca no caminho...  Que tenhas fé, para acreditar que amanhã será melhor.
Enfim, queremos te agradecer... Por tudo o que já fizeste, por todo o cuidado, todos os abraços, os olhares e as palavras de amor. Por todas as vezes que nos olhou devagar, enquanto algumas pessoas nos olham depressa... Obrigada por ter cruzado o nosso caminho e por fazer da nossa caminhada um momento de felicidade.
Obrigada por ter assinado o livro da nossa vida.
Feliz Aniversário!


Mais uma vez, o coração chamado Hora do Conto, transformou-se em um só.





Festa surpresa para a Mara

O grupo decidiu fazer uma festa surpresa para a colega Mara.
Combinamos e nos reunimos na casa dela.

Abaixo, deixo a mensagem que o grupo deixou em forma de lembrança.




Mara... Lembra que sempre dissemos que o grupo era formado por pessoas que acreditavam que as coisas pudessem mudar, pessoas sensíveis, e acima de tudo, pessoas choronas... Todos aqui fazem parte do coração da Hora do Conto, cada um com o seu jeito, com as suas vivências... Juntos somos um coração enorme, que se divide para levar sonhos para as pessoas...
Estamos muito felizes, por que um pedaço do nosso coração realizou um sonho, e nós nos realizamos juntos...
Existem pessoas capazes de colorir o mundo com pequenos gestos, com poucas palavras, capazes de cativar sem querer e de serem amadas por tudo o que são, tu é uma delas... Tu nos cativou e nós te admiramos por tudo o que tu fazes e o que tu contribui para que o sonho de hoje seja a realidade de amanhã...
És uma pessoa iluminada, consegue acender um local inteiro... Consegues colocar alegria no coração das pessoas, por que o teu coração está transbordando de coisas boas...
Às vezes pedimos muito e esquecemos de agradecer... Obrigada Mara, por fazer parte do grupo, obrigada por estar presente em nossa vida e por ocupar um lugar tão bonito no nosso coração... Obrigada por nos alegrar e por nos acompanhar...
Sabemos que tu és chorona, e pode estar chorando agora lendo isso... Mas não podemos deixar de dizer o quanto te admiramos, o quanto a tua presença contribui para a nossa felicidade...
Pessoas como tu são poucas, são eternas... Pessoas assim a gente cuida e carrega dentro do coração, e é isso o que fazemos contigo, te cuidamos e te levamos junto sempre!
O grupo Hora do Conto te ama muito e deseja que novos sonhos tornem-se realidade, estaremos sempre aqui para te dizer que vale a pena seguir em frente e para comemorar contigo as tuas realizações!
Um beijo no teu coração.

E assim, comemoramos e juntamos o coração da Hora do Conto.
A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria. (Freire)
                                                             

Para a gente pensar - Paulo Freire

"Não posso ser professor/se não percebo cada vez melhor/que/por não poder ser neutra,/minha prática exige de mim uma definição, uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha/entre isto e aquilo. Não posso ser professor/a favor de quem quer que seja/e a favor de não importa o que. Não posso ser professor/a favor simplesmente do Homem ou da Humanidade/frase de uma vaguidade/demasiado contrastante/com a concretude da prática educativa. Sou professor/ a favor da decência contra o despudor/ a favor da liberdade contra o autoritarismo/ da autoridade contra a licenciosidade/ da democracia contra a ditadura/ de direita ou de esquerda./ Sou professor a favor da luta constante/ contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica/dos indivíduos/ ou da classes sociais./ Sou professor/ contra a ordem capitalista vigente/ que inventou esta aberração/ a miséria na fartura. /Sou professor/ a favor/ da esperança/ que me anima apesar de tudo./ Sou professor/ contra o desengano/ que me consome e me imobiliza./ Sou professor/ a favor da boniteza de minha própria prática,/boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar/ se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias/ sem as quais/ meu corpo descuidado, corre o risco de amofinar/ e de já não ser o testemunho que deve ser/ de lutador pertinaz, que cansa, mas não desiste." ( do livro: Pedagogia da Autonomia).



quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Da leitura à vivência...


O projeto Hora do Conto – Meninas e Meninos Lendo o Mundo e a Palavra, busca resgatar através das histórias, a leitura de mundo das pessoas... Pois Freire já dizia que a leitura de mundo precede a leitura da palavra. Existem pessoas que não sabem ler as palavras escritas, as letras, mas possuem um grande conhecimento sobre o seu mundo, sobre as suas vivências, os seus sonhos, desejos, medos, anseios...
Buscamos plantar sementes de incentivo a leitura, de incentivo a pensar e a ver além do que estão nos mostrando, além do que os olhos conseguem ver.
Acreditamos que com pequenas coisas, pequenos gestos, pequenas ações é possível criar um grande sentimento, uma grande troca de vivências...
Quando contamos histórias, contamos com o coração, deixando que todos os sentimentos bons saiam e vão voando, pousando sobre as pessoas...  Quando lemos, temos a oportunidade de viajar pelo mundo todo, afinal, o nosso corpo fica no mesmo local, mas a nossa imaginação voa longe, visita vários lugares, conhece reinos, jardins, fadas, príncipes...
E já que podemos imaginar, podemos trabalhar para que nossa imaginação torne-se realidade, para que nosso desejo de felicidade e de um mundo melhor chegue até a nossa realidade.
E é assim, lendo, ouvindo, trocando vivências, que o grupo Hora do Conto constrói a sua leitura de mundo.
Por: Daniele Mallmann.

sábado, 2 de junho de 2012

l. APRESENTAÇÃO E JUSTIFICATIVA


     Durante o ano de 2007, trabalhando os escritos de Paulo Freire, passou-se a pensar em alguma atividade que demonstrasse que nós acadêmicos e professor acreditamos que a educação pode fazer algo para transformar a sociedade e emancipar e libertar as pessoas que vivem marginalizadas, silenciadas, dominadas e diminuídas na sua condição e dignidade humana em meio às estruturas excludentes da sociedade neoliberal capitalista.
            Com esse objetivo, um pequeno grupo de acadêmicos, do Centro de Educação/UFSM, começou a desenvolver um projeto de reabilitação do espaço da antiga Estação Ferroviária de Santa Maria, a GARE, incentivando a leitura da palavra e a leitura do mundo. Para tanto, começamos a desenvolver a Hora do Conto, com as crianças daquelas comunidade e a organizarmos uma Biblioteca que atendesse as necessidades daquela comunidade. Inicialmente, conhecíamos aquela comunidade, como uma invasão; no entanto, no decorrer do projeto, trabalhando e ouvindo as histórias destas crianças, compreendemos com elas que aqueles locais nos fizeram não eram uma “invasão”, e sim uma área de “apropriação”.
            Outros projetos de pesquisa e extensão, coordenados pelo professor Celso Henz, que visam colaborar com uma educação libertadora e com a formação continuada de professores,  com seus estudos e diálogos-problematizadores permanentes, nos remeteram a reflexões e a leituras que  nos possibilitaram uma maior aproximação com a realidade dos meninos e meninas da GARE, sobretudo na perspectiva freireana de que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele” (FREIRE, 2006, p. 11). Desse modo, fomos percebendo que aquelas crianças, que apresentavam dificuldades na leitura das palavras, liam o mundo de uma maneira e com uma riqueza que nós não conhecíamos. Assim começou evidenciar-se que: “[...] tanto no caso do processo educativo quanto no ato político, uma das questões fundamentais seja a clareza em torno de a favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra quê desenvolvemos a atividade política” (FREIRE, 2006, pág. 23).
As atividades de Hora do Conto acontecem a quase um ano na Biblioteca Pública e há três meses na GARE. Partindo dessas constatações, houve a necessidade de sistematizar os momentos vivenciados, dessa maneira, o projeto que surge com a possibilidade de despertar o gosto pela leitura e de atender integralmente às necessidades da infância, passou a ter o objetivo de possibilitar o desenvolvimento lúdico, imaginativo e crítico visando estimular a participação como cidadãos, tornando-se um agente reflexivo de dados, fatos e acontecimentos do mundo, criando e recriando seu papel na sociedade.
Para a concretização deste objetivo geral foram traçados alguns objetivos específicos: - incentivar o hábito da leitura e da escrita possibilitando o contato com os livros; - desenvolver a imaginação e criatividade; - valorizar a produção dos escritores locais; - proporcionar atividades diferenciadas para a comunidade; - reconhecer a Biblioteca como espaço de cultura e também de lazer.
Inicialmente propomos três perspectivas que norteiam o projeto:
- Desenvolver o hábito da leitura em comunidades carentes;
- Que leitura de mundo é feita a partir e com as histórias trabalhadas;
- Mostrar de que maneira as histórias influenciam na formação do ser cidadão.

            Assim, entende-se que o Curso de Pedagogia, o Centro de Educação e a UFSM podem tornar-se parceiros importantes para que este projeto Hora do Conto se torne apenas um “ler” histórias e palavras dos outros autores, mas a partir delas e com elas desencadear processos dialógico-problematizadores em que meninos e meninas possam “dizer a sua palavra” enquanto leitura do mundo em que estão vivendo (ou impedidos de viver) como gente. Ademais, abre-se a possibilidade de outras acadêmicos da UFSM integrarem o mesmo projeto, dando mais organicidade e dialeticidade a sua formação inicial de educadoras.
A continuidade deste projeto no ano de 2008, implica em pôr em prática essas mudanças. Gostaríamos que, antes de ler ou contar as histórias dos livros, cada um e cada uma pudesse contar a sua própria história.

2. OBJETIVOS


 - Objetivo Geral:

- Desenvolver atividades de Hora do Conto com alunos das escolas municipais e estaduais de Santa Maria, de 1ª a 5ª séries, com crianças e adolescentes das Aldeias SOS e as “meninas” do Lar das Vovozinhas, possibilitando o desenvolvimento lúdico, imaginativo e crítico, visando estimular a participação como cidadãos e o resgate da auto-estima.

- Objetivos Específicos
- incentivar o hábito da leitura e da escrita possibilitando o contato com os livros,
   principalmente com crianças carentes e “idosas” longe de suas famílias;
- desenvolver a imaginação e criatividade, pela ludicidade;
- valorizar a produção dos escritores locais;
- aprender uma leitura crítica de mundo a partir e com as histórias trabalhadas;
            - mostrar de que maneira as histórias contribuem com a formação do ser cidadão e o
             resgate da auto-estima.

3. ERA UMA VEZ...


Geralmente a linha divisória entre a pré-história e a história é atribuída ao tempo em que sugiram os registros escritos. A leitura e a escrita foram os marcos das civilizações antigas. Até os dias atuais, campanhas são feitas para o incentivo da leitura e da escrita das palavras porém, muitos esquecem daquilo que Paulo Freire chamou de “leitura do mundo”. Ao falar em “leitura do mundo”, lembro de Brandão (2005, p. 17-18) que diz:
Quando a gente vai para a escola,  alguns adultos dizem: ‘Vai estudar para ver se você aprende alguma coisa!’ Não é mesmo? Mas elas esquecem que, quando uma criança chega à escola, ela já sabia muita coisa. Ela já tinha aprendido muito mesmo. Primeiro, ela aprendeu com a Vida, aprendeu com o mundo onde ela vive. Aprendeu com os outros: a mãe-e- o- pai, os irmãos e as irmãs mais velhas, os primos e os outros parentes. Aprendeu com as amigas e os amigos de mesma idade. Aprendeu com a vida. Pois a vida que a gente vai vivendo, um pouquinho a cada dia, é uma ótima e incansável professora de cada uma de nós e de cada um de nós.
                Como Brandão bem diz, estamos sempre aprendendo, mesmo quando pensamos estar ensinando. Em uma ocasião, trabalhávamos com o livro: “As Aventuras da família Tamanduá” de Jô Oliveira e Nira Foster que conta a história de uma família de tamanduás que morava em uma fazenda abandonada. Certa vez um homem compra a fazenda e começa a fazer muitas modificações entre elas, expulsa a família de suas terras. Sem ter para onde ir, a família vai morar em baixo da ponte e na fazenda muitas coisas ruins começam a acontecer. O fazendeiro mexe no equilíbrio ecológico do lugar através do uso indiscriminado de agrotóxicos. Assim, se vê obrigado a ir buscar a família de tamanduás para resolver a questão.
            Tínhamos como objetivo principal discutir as questões voltadas ao meio ambiente, entretanto comecei a perceber uma certa troca de olhares, fisionomias que se modificavam a cada página contada, e ao concluir a história alguns questionamentos e depoimentos surgiram. Quando usamos a expressão “invasão” para descrever o modo como a família tamanduá vivia muitas crianças que tinha entre 9 a 11 anos disseram: “Não era uma invasão! Os tamanduás se apropriaram de terras improdutivas”. Neste momento percebi que a maioria deles já havia vivenciado ou vivencia situações semelhantes as da história. E então, começamos a discutir a questão que um menino levantou: “Porque uns tem tanta terra e outros não tem nada?”. Chegamos ao consenso que as “terras” como eles dizem, são mal distribuídas e que todos deveriam ter uma “parte igual” pois assim, todos teríamos as mesmas condições terminando com as diferenças.
            Mas o final da história nos reservava grandes surpresas. Ao lembrar que o “patrão” teve que ir a busca da família as opiniões ficaram divididas, uns acreditavam que a família   não deveria voltar, pois haviam sido humilhados, outros, preocupavam-se com as condições que o fazendeiro ofereceria para ter a família de volta. Esta história, diferentemente da história de vida de cada um, termina com a família na fazenda, em uma bonita casa construída pelo patrão e cedida à família Tamanduá, que recebera algumas terras e lugar para trabalhar.
Quando o texto parecia ter se esgotado, surgiu então a proposta de criar um novo final para esta história e muitas surpresas vieram. Alguns decidiram que os Tamanduás expulsariam o fazendeiro das terras, já outros, propuseram uma sociedade entre eles.
            Dessa maneira refletimos com FREIRE (2000, p. 76), quando diz:

A consciência do mundo que implica a consciência de mim no mundo, com ele e com os outros, que implica também a nossa capacidade de perceber o mundo, de compreendê-lo, não se reduz a uma experiência racionalista. É como uma totalidade – razão, sentimentos, emoções, desejos -, que meu corpo consciente do mundo e de mim capta o mundo a que se intenciona.
            Assim, ao decidirmos utilizar uma proposta freireana, percebemos que alguns “ajustes” precisam ser feitos. Adotando uma pedagogia comprometida com o homem em seu contexto histórico-social, no sentido de orientar consciente e criticamente a libertação das pessoas, jamais podemos cair no erro de escolher as histórias ou levá-las pronta, pois assim estaríamos manipulando os pensamentos e opiniões.  Nosso objetivo é promover a discussão corajosa da problemática e o constante diálogo com o outro.         
Nesta perspectiva, os educadores somos desafiados a oportunizar à criança a ver o mundo, a ler o mundo, a descobrir o mundo e as maneiras de ser gente neste mundo, contribuindo também para a construção de uma cultura humanizadora. Entretanto, a aprendizagem começa antes da aprendizagem das letras; quando se estimula o prazer em ouvir algo ou alguém se aguça a curiosidade de ler, de pensar, de ter autonomia para descobrir histórias que estão dentro de um livro. Essa aprendizagem que a criança vai construindo, ao ser estimulada desde a infância, oportuniza a construção de um ambiente dialógico, onde ela cresce comungando com a vida, não estando à serviço do cumprimento de regras e programas, exigências sem função prática e aplicabilidade a favor da vida. “Semeando” a criticidade e a criatividade, os horizontes se ampliam; ademais, a criança vai aprendendo a participar das decisões e permitir a participação do outro.
A partir do respeito à individualidade e as singularidades de que cada um, se pode ir construindo o coletivo e o bem-comum, garantindo formas de participação para que as pessoas vivam relações solidárias e justas em igualdade de condições, vivenciando sua cidadania. Assim, para que ocorram mudanças nas inter-relações e nas relações sociais, é necessário que cada ser humano integrante da comunidade escolar esteja comprometido com o processo educacional, de forma que todos sintam-se sujeitos, desde o momento de  partilhar e defender idéias, construir regras, propostas, estratégias. Somos aprendizes da arte de usar a palavra em defesa do que acreditamos, porém ainda temos dificuldades em ouvir e aceitar a idéia do outro, em entender que várias idéias, várias culturas podem construir caminhos novos, culturas novas e novas formas de organizar a vida, a escola e a sociedade.
Neste sentido, as histórias infantis têm muito a contribuir, trazendo significado para a criança quando diz algo a respeito da sua vida e do seu mundo. Uma história só prenderá a atenção quando desperta sua curiosidade, estimula a imaginação, ajuda a desenvolver o intelecto, torna mais claras as suas emoções, vem ao encontro das suas ansiedades e aspirações, reconhece as limitações e dificuldades e, ao mesmo tempo, sugere soluções para os problemas que a perturbam.
Ao ouvir uma história a criança fica presa às cenas, imaginando as possíveis seqüências e soluções. O uso de recursos concretos como gravuras, fantoches, maquetes permitem a visualização da história, estimulando a imaginação e concretização das cenas. A ação de ler e contar histórias às crianças permite a concretização das idéias abstratas, relacionando a realidade com as cenas que se sucedem. Essa leitura do mundo antecede a leitura da palavra, gerando uma compreensão do lido a partir do visto, do vivido, do experienciado. Daí a importância de conhecer o contexto sócio-histórico-cultural para trabalhar as diferentes histórias infantis dentro e a partir da realidade, apontando caminhos, possibilidades para a construção de uma nova cultura organizacional, democrática e humanizadora.
Segundo Lajolo & Zilberman (1991), a literatura infantil aguça um imaginário peculiar nas crianças, o qual pode dar-se em duas direções:

De um lado, reproduz e interpreta a sociedade nacional, avaliando o processo acelerado de modernização, nem sempre aceitando-o com facilidade, segundo se expressam narradores e personagens. [...] De outro lado, dá margem à manifestação do mundo infantil, que se aloja melhor na fantasia, e não na sociedade, opção que sugere uma resposta à marginalização a que o meio empurra a criança (Ibidem, 67).

Sim, as histórias infantis trazem em si uma dimensão ideológica, social e histórica conforme o período em que são criadas, contendo valores, conflitos, idéias existentes de acordo com cada época e cultura. Não se trata de não ler e dialogar sobre as histórias dos mais diferentes autores, mas sempre trabalhando no sentido de a, a partir delas, as crianças poderem “dizer a sua palavra”, manifestando a sua “leitura de mundo” e os seus sonhos de “inéditos viáveis”, como tão belamente nos tem proposto o educador Paulo Freire.
Tendo em vista que proporcionar à criança contato com as histórias infantis é respeitá-la enquanto ser humano e leitora, é interessante reforçar a importância delas como um recurso para a motivação e iniciação da leitura da palavra e do mundo. Freire(2001) afirma que mesmo depois de alfabetizados, os indivíduos não deixam de “ler” o mundo ao seu redor. Para que uma leitura seja realmente compreendida, é preciso estabelecer relações com a realidade, pois a aprendizagem da linguagem escrita se dá a nível profundo, não somente no nível de memorização de palavras ou textos. Neste sentido, as histórias infantis podem despertar emoções, posicionamentos e ações para buscar alternativas para modificar o seu ambiente.
O ser humano é criador do seu conhecimento, é aprendiz e sujeito do processo histórico em que vem sendo, sobretudo pela mediação da linguagem, pronunciando a si e a seu mundo com as palavras que vai aprendendo: primeiramente repetindo as palavras dos outros, depois dizendo a sua própria palavra. No momento que ouve, lê, fala, escreve.... algo mexe com suas razões-emoções, desafiando-o a tomar nas mãos a sua trajetória histórica de homem e/ou mulher. Essa processualidade pode começar por meio da criação histórias orais e escritas, criando a possibilidade de vislumbrar, de desejar e projetar muitas transformações.
A necessidade de conhecer e intervir no mundo exige uma certeza de que aprender não se resume em acreditar que tudo é certo e nem de estarmos demasiadamente certos de nossas certezas.  Freire (1998, p.30) nos ajuda a refletir sobre nossa prática quando diz que é problematizando, dialogando, fazendo releituras, contextualizando que vamos fazendo novas descobertas, uma vez que

a leitura verdadeira me compromete de imediato com o texto que a mim se dá e a que me dou e de cuja compreensão fundamental me vou  tornando também sujeito. Ao ler não me acho no puro encalço da inteligência do texto como se fosse ela produção apenas de seu autor ou de sua autora. Esta forma viciada de ler não tem nada que ver, por isso mesmo, com o pensar certo e com o ensinar certo.

O ato de ler, contar histórias encerrando a exploração do texto como se a palavra do autor fosse à verdade absoluta, como se a entonação do contador desse à história um ponto final para o que está escrito nas entrelinhas, a interpretação do educador como única, a história fechada em si não ajuda aos educadores e educandos se tornarem críticos, tendo uma visão contextualizada. Mesmo na ilustração de um livro podemos criar, fazer novas leituras, perceber detalhes que o autor não explorou, porque as visões e leituras de mundo variam conforme a sua cultura e a sua experiência vivida. No momento em que o educando se coloca no lugar dos personagens, brinca com eles, recria e reconta histórias está intervindo, construindo novas alternativas, colocando-se como sujeito, autor da história e de sua própria história de vida.
A inserção crítica do ser humano no mundo se dá como corpo consciente, graças à sua sensibilidade ao contexto e à sua capacidade de reflexão; sem experimentar a realidade e sobre ela refletir não há criticidade, não há conscientização, não há ação transformadora. Por isso, para possibilitar este re-encontro de cada homem e cada mulher consigo mesmo(a) e com o mundo, qualquer esforço educativo libertador deve, através da dialogicidade problematizadora e crítico-reflexiva, sempre partir da realidade, da visão que cada um e cada uma tem do mundo, do trabalho, do conhecimento ou de um determinado assunto; partir do sentir/pensar/agir presente nas concepções e ações dos(as) sujeitos, para a elas retornar com um novo enfoque, capaz de conscientemente forjar novas visões e ações transformadoras. Uma razão-emoção crítico-reflexiva reconhece que homens e mulheres estão em constante interação com a realidade, exercendo sobre ela uma ação transformadora e sendo condicionados(as) pelos resultados desta transformação. É fundamental partir sempre da problematização do mundo do trabalho, das idéias, dos mitos, das crenças, das convicções, das obras, dos produtos, das artes, das ciências, das aspirações, enfim, do mundo da cultura e da história que homens e mulheres conhecem pela vivência cotidiana, buscando com eles(as) descobrir que tudo é resultado das relações dos membros da espécie humana com o mundo, mas que esta realidade ao mesmo tempo condiciona aos seres humanos, seus criadores.[1]
Na medida em que o conhecimento do mundo exterior vai mudando, muda também o ser humano; modifica-se a visão, a concepção e a postura de homens e mulheres para com este mundo, modifica-se o seu sentir/pensar/agir. Se antes a realidade do mundo era vista como algo mágico, "sendo assim porque tem que ser", agora ela se apresenta como possibilidade, como horizonte de aventura histórica, onde cada um(a) pode ser mais, sendo conscientemente no mundo, com o mundo, através da reflexão e ação transformadora, do compromisso histórico de ser o sujeito do mundo no qual e com o qual vai se humanizando. Isto é conscientização, que é muito mais do que a mera tomada de consciência: é ação consciente, intencional, comprometida e transformadora.
Diante da crescente busca de significado para as coisas e da reflexão de que valores devem ou não permanecer no nosso cotidiano, surge à necessidade de “saber ler”, ou seja, ler o que está escrito nas entrelinhas, ler o mundo, uma vez que “a leitura de mundo precede a leitura da palavra, daí a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele” (FREIRE, 1982, p.11). Por isto, é fundamental que o educador tenha a clareza de que a leitura do mundo acontece antes da leitura da escrita.
No dia a dia das suas vidas, as pessoas “pronunciam” o seu mundo, mesmo que não saibam “ler e escrever”; os seres humanos lêem além das palavras, lêem o mundo ao seu redor e, por isso, para que a leitura seja realmente compreendida é preciso que se consiga estabelecer relações daquilo que se leu com a realidade vivenciada.
Propor-se a trabalhar com literatura infantil, sobretudo com crianças e adolescentes que muitas vezes estão à margem de processos e relações sociais mais humanos e cidadãos, configura-se como uma atividade que na sua essência é dialógica e participativa, desde o momento da escolha das histórias a serem lidas até a interpretação e produção de sentidos e, quiçá, de outros finais para as mesmas histórias, ou, então a criação de novas histórias mais significativas e interessantes para o mundo em que meninos e meninas vivem... ou ajudem a construir um outro mundo em que eles e elas sonham um dia poder viver.
Então, para que os livros infantis e as histórias infantis não estejam a serviço de uma cultura hegemônica, a serviço da perpetuação de regras, normas, valores dos grupos dominantes é preciso que desde cedo todos e todas tenham alguém que desperte o desejo de ouvir, ler e escrever histórias infantis, levando à imaginação e/ou a pensamentos jamais visitados. Ler, debater, imaginar, criar e escrever devem ser uma aventura cheia de idas e vindas, possibilitando reflexões, contestações, posicionamentos, sonhos, projetos, ações... “inéditos viáveis”.


 Veja-se que em todo o processo de alfabetização de adultos(as), Paulo Freire propunha sempre partir de Palavras Geradoras levantadas junto ao povo, na sua cotidianidade, para depois decodificá-las pelo diálogo problematizador (com eles/as) e assim chegar a uma nova consciência sobre a realidade, a cultura, e sobre a concepção dos(as) trabalhadores(as) sobre si mesmos(as).  

Isto é conscientização, que é muito mais do que a mera tomada de consciência: é ação consciente, intencional, comprometida e transformadora.
Diante da crescente busca de significado para as coisas e da reflexão de que valores devem ou não permanecer no nosso cotidiano, surge à necessidade de “saber ler”, ou seja, ler o que está escrito nas entrelinhas, ler o mundo, uma vez que “a leitura de mundo precede a leitura da palavra, daí a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele” (FREIRE, 1982, p.11). Por isto, é fundamental que o educador tenha a clareza de que a leitura do mundo acontece antes da leitura da escrita.
No dia a dia das suas vidas, as pessoas “pronunciam” o seu mundo, mesmo que não saibam “ler e escrever”; os seres humanos lêem além das palavras, lêem o mundo ao seu redor e, por isso, para que a leitura seja realmente compreendida é preciso que se consiga estabelecer relações daquilo que se leu com a realidade vivenciada.
Propor-se a trabalhar com literatura infantil, sobretudo com crianças e adolescentes que muitas vezes estão à margem de processos e relações sociais mais humanos e cidadãos, configura-se como uma atividade que na sua essência é dialógica e participativa, desde o momento da escolha das histórias a serem lidas até a interpretação e produção de sentidos e, quiçá, de outros finais para as mesmas histórias, ou, então a criação de novas histórias mais significativas e interessantes para o mundo em que meninos e meninas vivem... ou ajudem a construir um outro mundo em que eles e elas sonham um dia poder viver.
Então, para que os livros infantis e as histórias infantis não estejam a serviço de uma cultura hegemônica, a serviço da perpetuação de regras, normas, valores dos grupos dominantes é preciso que desde cedo todos e todas tenham alguém que desperte o desejo de ouvir, ler e escrever histórias infantis, levando à imaginação e/ou a pensamentos jamais visitados. Ler, debater, imaginar, criar e escrever devem ser uma aventura cheia de idas e vindas, possibilitando reflexões, contestações, posicionamentos, sonhos, projetos, ações... “inéditos viáveis”.

4. DESENVOLVIMENTO


O projeto “Hora do Conto: Meninos e Meninas lendo o mundo e a palavra” pode ser classificado como extensão e pesquisa. Além das histórias, dinâmicas e textos, optamos pelo “diálogo-problematizador”, uma forma de oportunizar a todos e todas para que digam a “sua palavra”, desenvolvam a sua leitura de mundo, baseados(as) no contexto sócio-histórico, nas suas vivências, nos diferentes processos de escolarização, sempre a partir do lugar, circunstâncias e vozes que os contextualizam e lhes podem dar sentido.

4.1. Sujeitos e Contextos...
A primeira Instituição a receber o nosso Projeto, em 2010, foi o Lar das Vovozinhas; instituição filantrópica que abriga aproximadamente 200 senhoras, em estado de vulnerabilidade e debilitação física e mental, muitas vezes sucedido pelo abandono familiar. Para desenvolvermos este projeto, inicialmente convidamos os alunos da escola Antônio Alves Ramos (Patronato); levamos os alunos e seus familiares, interessados em para conhecer a realidade do lar, para uma primeira visita.
No primeiro encontro no Lar, contamos com a participação 20 senhoras, porém, no decorrer do Projeto percebeu-se a dificuldade de locomoção das mesmas e a desmotivação para participarem de atividades lúdicas, uma vez que diziam “estar esperando pela morte”. Necessário se fez, então, repensar nossa proposta; e constatamos de que precisaríamos primeiramente estabelecer relações afetivas, razão pela qual passamos a ir semanalmente ao lar, apenas para ouví-las (ou, então, apenas abraçá-las e dar-lhe atenção e carinho). Na medida em que os encontros foram acontecendo percebemos que éramos recebidas com muita espera. A partir deste momento começamos a construir espaços para contar e ouvir histórias, tanto infantis quanto de vidas.
A segunda instituição na qual desenvolvemos o nosso projeto foi a Escola Municipal de Ensino Fundamental João Hundertmarck, localizada na zona rural de Santa Maria. Começamos a desenvolver o projeto nesta escola e, para nossa surpresa, a maioria de seus educandos são oriundos da zona urbana de Santa Maria. Para iniciarmos o trabalho, optamos em ouvi-los, conhecendo suas identidades, suas auto-imagens, a partir de uma dinâmica com os seus nomes. As dinâmicas por si só não garantem a participação efetiva das pessoas, mas o ambiente construído de cooperação, de diálogos, de escuta e, principalmente, de amorosidade é que permite aos seres humanos sentirem-se autônomos e com autoria, sujeitos desse momento, levando-os a contarem suas histórias e fazerem a relação texto-contexto. Para isso é preciso nos exercitarmos para aprender a ouvir, a criar, a trabalharmos cooperativamente, criando ambientes de amorosidade, de escuta e de respeito; a capacidade participativa que cada ser humano por natureza possui precisa ser (re)aprendida, e  assim não negarmos a legitimidade do outro. Dentro deste contexto, oportunizamos a cada um ver o mundo, a ler o mundo, a descobrir e redescobrir o mundo e as maneiras (sua e dos outros) de ser gente nesse mundo.
Desde o início do Projeto, idealizamos práticas a partir das histórias infantis que poderiam ser desenvolvidas em todas as três instituições. No entanto, na terceira instituição em que esse Projeto foi desenvolvido, o Recanto da Esperança, foi um pouco diferente. Nos deparamos com a realidade de jovens e adolescentes, em situação de risco; jovens e meninos que lá estão encaminhados pelo Conselho Tutelar. Ao iniciarmos o Projeto neste local oencontramos meninos excluídos da sociedade, desacreditando da possibilidade de aproximação para ajudá-los, pois diziam que “as pessoas que iriam até lá, o faziam somente para julgá-los”. Percebemos uma insegurança ao mentirem sobre suas identidades e suas histórias, e também porque em alguns momentos usavam uma linguagem própria do grupo para que não fossemos entendidos. Percebemos, com isto, que o trabalho a ser desenvolvido naquele ambiente exigiria um pouco mais de nós, no sentido de mais pesquisas, reflexões com o grupo, bem como a busca de novos recursos que pudessem despertar/instigar o interesse daqueles menores adolescentes. Dessa maneira, entendemos estar desenvolvendo um projeto que “[...] além da participação, supõe uma forma de ação planejada de caráter social, educacional, [...] Trata-se de facilitar a busca de soluções aos problemas reais para os quais os procedimentos convencionais têm pouco contribuído” (THIOLLENT, 2002, p. 08).
Através da palavra é possível o ser humano se expressar, expressar seu mundo interior para se comunicar com o mundo exterior; assim, a leitura é uma via para formação da consciência e de uma outra “visão e leitura de mundo”, como dizia Paulo Freire.

5. METODOLOGIA



O projeto Hora do Conto: Meninos e Meninas lendo o Mundo e a Palavra inicialmente é um projeto de extensão, mas também torna-se lócus de pesquisa. Além das histórias, dinâmicas e textos, optamos pelo “diálogo-problematizador”, como forma de oportunizar a todos “dizerem a sua palavra”, fazer a sua leitura de mundo, baseados no contexto sócio-histórico, nas suas vivências, nos diferentes processos de escolarização, sempre a partir do lugar, das circunstâncias e das vozes que os contextualizam e lhes podem dar sentido.
Dessa maneira, entendemos estar desenvolvendo um projeto que “[...] além da participação, supõe uma forma de ação planejada de caráter social, educacional, [...] Trata-se de facilitar a busca de soluções aos problemas reais para os quais os procedimentos convencionais têm pouco contribuído” (Thiollent, 2002, p. 08).
As atividades são destinadas aos alunos da educação infantil até o 5° ano do ensino fundamental das Escolas Municipais, Estaduais e Particulares de Santa Maria, especialmente a crianças e adolescentes das Aldeias SOS e as “meninas” idosas do Lar das Vovozinhas, uma vez por semana, atendendo as crianças da comunidade e escolas da região, inicialmente no período de abril a dezembro de 2011 (ficando em aberto a possibilidade de o mesmo prosseguir em 2011). Diferentemente de como vinha acontecendo anteriormente, as crianças e adolescentes envolvidas começarão a participar da escolha das histórias a serem trabalhadas; para tanto, inicialmente abrir-se-á espaço para que elas contem a suas histórias de vida e “leituras de mundo”.
Assim, este projeto também tem o objetivo de desenvolver atividades lúdicas envolvendo os participantes (crianças e idosas), valorizando as experiências que cada uma traz durante as horas do conto, registrando-as em relatórios e apresentando-as em eventos educacionais.